Uma rede de reflorestamento do Cerrado

A beleza de um campo repleto de capim chuveirinho, cenário típico do Cerrado, encanta os turistas que visitam a Chapada dos Veadeiros. A missão de garantir que  esta espécie, da mesma família botânica das sempre-vivas, continue existindo é de alguns moradores de Goiás, que dedicam seus dias a coletar sementes nativas de plantas do bioma. Boa parte destes coletores, que trabalham em associações, pertencem a povos e comunidades tradicionais. E a maioria (cerca de 70%) são mulheres, que além de exercer o papel de guardiãs da natureza, encontraram neste trabalho uma alternativa de sustento para as famílias. 

É o caso de Suzideth Soares da Cunha, de 52 anos, moradora da comunidade Ribeirão, no território quilombola Kalunga, no município de Teresina de Goiás. Este ano, ela passou a frequentar as oficinas de capacitação oferecidas pela Rede de Sementes do Cerrado, uma das atividades do projeto “Fortalecer a base: tudo começa pela mão que colhe”, e está radiante porque se encontrou numa profissão. Apoiado pelo Programa COPAÍBAS, o projeto beneficia os integrantes da Associação Cerrado de Pé, gerando renda para moradores de 15 comunidades em 4 municípios da Chapada dos Veadeiros. Ao tornar-se coletora, Suzideth reforçou a renda familiar e descobriu que o novo trabalho é um importante elo na cadeia de conservação da natureza.

“Fazia muito tempo que eu ouvia falar disso e estava querendo virar coletora. Já pegava as sementes para vender no Alto Paraíso, mas elas acabavam desperdiçadas, porque eu não conseguia vender. Com o curso, já coletei muito: semente de fedegoso, amburana, caju, açoita cavalo… E vou continuar coletando.  A gente mora aqui na roça, onde não tem emprego. E isso é uma renda boa, um dinheiro a mais que entra. E ainda ajudamos no reflorestamento”, conta a quilombola, que está muito feliz em aprender a reconhecer e tratar as sementes para venda.

A engenheira florestal Natanna Horstmann, coordenadora do projeto, explica que o público-alvo do trabalho são povos e comunidades tradicionais que vivem nos assentamentos rurais e áreas de quilombo da região. São moradores que já realizavam a coleta de sementes de forma instintiva, sem treinamento. E, com as capacitações, estão sendo profissionalizados.

“A Rede de Semente apoia toda a cadeia da restauração ecológica no Cerrado. Atua restabelecendo áreas degradadas, que são recuperadas por inúmeros motivos, desde obrigação legal (alguém que desmatou e tem que replantar) até pela implantação de unidades de conservação. Então existe um mercado que necessita de sementes. E a Rede articula tudo isso: desde a semente até o plantio”, explica.

No projeto que está sendo apoiado pelo Programa COPAÍBAS, o foco das ações é capacitar os coletores e coletoras, possibilitando uma melhora na qualidade das sementes. E permitindo que eles aumentem os lucros com a vendas das sementes, que podem ser comercializadas por valores que variam de R$ 8 a R$ 300 o quilo. Os preços são estabelecidos pelo grupo e levam em conta a dificuldade de coleta e a quantidade necessária para se juntar um1 quilo. Para ter valor comercial, explica Natanna, as sementes precisam ser bem manuseadas e preparadas, de acordo com uma metodologia ensinada nos cursos.

“Como a gente movimenta um pouco este mercado da restauração, vimos que nos últimos anos houve um aumento na demanda por sementes. Então, parte deste projeto foi capacitar novos coletores”, diz a engenheira florestal.

Adelice Faria da Silva, 52 anos, moradora da comunidade Ema, também no território em Teresina de Goiás, vive como coletora desde 2016. Ela foi trazida para a associação de coletores por um amigo e recentemente convidou Suzideth.

 “Antes eu não tinha nenhum salário. Depois, fiz cursos, aprendi e hoje sou muito feliz.  Na associação somos mais nós, mulheres. Coletamos muitos tipos de semente, como jatobá, copaíba, baru…”, enumera Adelice, que costuma fazer o trabalho em companhia das duas filhas, que se aventuram com ela pelas matas do território em busca de sementes.

As mãos que colhem são de comunidades

Natanna explica que o projeto está organizado em três eixos. O primeiro é o das capacitações em coleta de sementes de ervas, capins, arbustos e árvores nativas do Cerrado.

“Nesse eixo, o objetivo é aumentar o engajamento das comunidades locais na cadeia produtiva de sementes, incluindo novas famílias, gerando renda e impulsionando a inclusão de gênero. Até o momento, foram 153 pessoas capacitadas, a maioria mulheres, e contamos com o envolvimento de 15 comunidades de 4 municípios da Chapada dos Veadeiros. Ano passado, as mulheres correspondiam a 70% dos coletores”, explica. 

O segundo foco, completa a engenheira florestal, é aumentar a disponibilidade de sementes nativas no mercado, em quantidade, qualidade e diversidade. Para isso, serão distribuídos aos trabalhadores materiais de coleta (lona, peneira, cutelo, balança, entre outros) e será construído um viveiro na casa de sementes, para testes de germinação.

O terceiro e último eixo visa ampliar e melhorar a capacidade de armazenamento na casa de sementes. Isso será alcançado com melhorias na estrutura do imóvel, dentre elas, as reformas do piso e telhado.

Mais de 100 espécies de sementes catalogadas

A Rede de Sementes trabalha hoje com mais de 100 espécies de sementes nativas do Cerrado. E uma delas é o capim nativo.

“O Cerrado não é uma floresta, é uma savana. Principalmente aqui na Chapada dos Veadeiros, a gente tem muita planta baixinha, capim, erva, que são superimportantes para este bioma. É onde se encontra a maior biodiversidade de plantas do Cerrado. E, geralmente, estas plantas pequenas são mais esquecidas. Trabalhamos com uma variedade de sementes para fazer uma restauração considerada mais completa. Também temos árvores, palmeiras, mas trabalhamos fortemente na divulgação destas espécies pequenas, porque elas são muito importantes para o bioma como um todo. E estamos há alguns anos colocando estas sementes nos projetos de restauração”, diz Natanna.

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